Páginas

26 de abril de 2012

O que o capitalismo proporciona


Por Richard D. Wolff.
A maior parte dos presidentes atravessam um ou mais períodos económicos maus (recessões, depressões, crises, etc). Todo presidente desde pelo menos Franklin Dellano Roosevelt gerou um “programa” para responder ao período mau – tal como era pedido pelos cidadãos e os negócios.FDR e todo presidente posterior prometiam que o seu programa iria “não só livrar os EUA das perturbações económicas actuais como também garantiria que nem nós nem os nossos filhos precisarão enfrentar tais períodos maus no futuro”. Obama foi apenas o mais recente a dizer isso.
Nenhum presidente foi capaz de manter tal promessa. A actual crise capitalista, agora a meio caminho no seu quinto ano sem fim à vista, prova que o impedir de futuros períodos de baixa capitalista iludiu todo presidente do passado e todos os seus prestigiosos e bem pagos conselheiros económicos. Uma vez que o programa do presidente Obama não é basicamente diferente os anteriores programas presidenciais, não há razão para esperar que ele tenha êxito.
O fracasso em impedir crises capitalistas condenou milhões dos nossos companheiros cidadãos a repetidas devastações de perdas de empregos, benefícios e segurança além de lares arrestados e perspectivas negras para os nossos filhos. Os custos familiares e económicos do fracasso em lidar com crises capitalistas são estarrecedores. Hoje dezenas de milhões de americanos ou não têm trabalho ou devem aceitar empregos em tempo parcial quando precisam e querem trabalho a tempo inteiro. De acordo com o governo dos EUA, aproximadamente 30 por cento das ferramentas, equipamentos, fábricas, escritórios, espaço comercial e matérias-primas permanecem ociosos. Este sistema capitalista priva-nos da produção e riqueza que podia ser produzida se os empregos negados ao povo fossem combinados com os meios de produção ociosos.
Essa produção poderia reconstruir nossas indústrias e cidades, poderia convertê-las em instituições ambientalmente respeitáveis e poderia aliviar a pobreza nos EUA e mais além. Se empregados, aqueles agora sem empregos podiam ter vidas melhores, manterem seus lares e serem produtivos. Todos nós poderíamos beneficiar-nos enormemente se não fosse o fracasso abjecto do capitalismo para combinar as pessoas que querem trabalhar com meios de produção não utilizados para o que precisamos.
O problema básico tão pouco tem a ver com políticas e programas governamentais. Afinal de contas, os principais partidos políticos, os políticos, lobistas e seus aliados nos media e na academia cantam todos em uníssono para celebrar o capitalismo. Eles têm insistido ao longo dos últimos cinquenta anos em que a crítica o capitalismo, não importa quão fraco seja o seu desempenho, era tola, sem fundamento, absurda, desleal ou pior. A sua lenga lenga tem sido “o capitalismo cumpre as promessas” (“capitalism delivers the goods”).
Por trás da cobertura protectora de uma proibição da crítica quase total, o sistema capitalista estado-unidense deteriorou-se (o resultado habitual quando é proscrita a crítica pública de uma instituição social). Desde o desencadeamento desta crise em 2007, o capitalismo tem estado a “proporcionar dificuldades” à maior parte de nós. Ele ameaça de modo crescente proporcionar dificuldades ainda piores nos anos pela frente. Promotores acríticos do capitalismo estão agora a pressionar o governo a reduzir serviços públicos exactamente quando a massa de americanos os necessita mais do que nunca. O seu slogan e programa básico insistem: “recuperação” económica para poucos e austeridade para muitos.
Nas décadas de 1950 e 1960, o escalão de rendimento individual que tributava os americanos mais ricos era de 91%, ao passo que hoje é de 35%. Em 1977, o imposto que as pessoas pagavam sobre “ganhos de capital” (ao venderem activos como acções e títulos a preços superiores aos pagos por eles) era de 40%. Hoje aquela taxa é de 15%. A massa do povo nunca desfrutou de cortes fiscais tão maciços. Estes cortes fizeram os ricos ainda mais ricos enquanto forçavam o governo a tomar dinheiro emprestado para substituir o que já não podia ser obtido através dos impostos sobre os ricos. Como é grotesco que os ricos agora utilizem dívidas do governo como desculpa para eliminar serviços públicos para a massa dos americanos!
A solução para crises capitalistas como aquela que hoje nos aflige não é que o presidente promova outro programa de reformas, regulamentações, estímulos económicos e orçamentos deficitários. Já passámos por isso e já o fizemos. Isso nunca funcionou para impedir este sistema económico de condenar o povo a “tempos difíceis” infindavelmente repetidos. Há muito que se deve sujeitar o capitalismo à crítica séria, aberta e pública e debater o que nunca deveria ter sido reprimido. Precisamos examinar se e como os EUA podem fazer algo melhor do que o capitalismo.
Os sistemas económicos nascem, evoluem no tempo e morrem – como todas as instituições humanas. Em resultado do fim da escravidão e do feudalismo, nasceu o capitalismo. Ele prometia, nas palavras dos revolucionários franceses, “liberdade, igualdade e fraternidade”. Fez alguns progressos genuínos rumo àqueles objectivos. Contudo, também ergueu alguns graves obstáculos para alguma vez alcançá-los. O principal deles foi a organização da produção no interior das empresas capitalistas.
Nas empresas corporativas capitalistas que hoje dominam a economia, os seus grandes accionistas e os conselhos de administração que eles seleccionam estão na não democrática posição exclusiva de tomarem todas as decisões chave. Os grandes accionistas e conselhos de administração constituem uma pequena minoria daqueles directamente ligados a empresas capitalistas. A maioria são os trabalhadores das empresas e as populações de comunidades dependentes das mesmas. Mas as decisões da minoria (acerca do que, como e onde produzir e o que fazer com os lucros) impactam a maioria – incluindo provocar crises – sem permitir à maioria qualquer papel directo na tomada de tais decisões. É então dificilmente surpreendente que a minoria exija e esteja em posição de tomar para si própria a riqueza e a fatia de rendimento do leão. Ela igualmente compra o controle da política a fim de impedir a maioria de utilizar o governo para rectificar as suas desvantagens e privações económicas. Eis porque agora temos salvamentos governamentais para os ricos e austeridade para o resto de nós.
A menos que a sociedade se movimente para além da organização capitalista da produção, as crises económicas continuarão a acontecer e a gerar falsas promessas de políticos de que as impedirão. É ingénuo esperar que a minoria responsável por um sistema que para ela ainda funciona bem democratize a economia e a política. Esta é a tarefa central dos 99%.
[*] Professor emérito da Universidade de Massachusetts-Amherst e professor visitante no Programa de Graduação em Assuntos Internacionais da New School University, Nova Yok. Autor de New Departures in Marxian Theory (Routledge, 2006) e do filme documentário Capitalism Hits the Fan,www.capitalismhitsthefan.com . Sítio web: www.rdwolff.com .

5 de abril de 2012

A crescente onda alfacista


Ou a perseguição dos veg(etari)anos nas redes sociais e porque devemos estar contentes com isso.
por Robson, do blog Consciência, editado por Phabyola Alves.
.
Estamos presenciando atualmente, nas redes sociais, vlogs e blogs humorísticos brasileiros, um movimento ofensivo contra o vegetarianismo e o veganismo: o “alfacismo”. Ela segue um padrão Rafinha Bastos de “humor”, divulgando ora pôsteres reacionários sobre produtos à base de gado e comer alface, ora vídeos xingadores, cativando os internautas onívoros que antipatizam com a possibilidade de ser persuadidos a pararem de comer carne.




Nos últimos meses a mania vem crescendo ineditamente. Os principais motes vêm sendo videoclipes amadores, cujas músicas possuem letras chulas dirigindo ofensas aos veg(etari)anos e defensores dos Direitos Animais em geral e fazendo apologia ao consumo conscientemente inconsciente de carne, e imagens fazendo gracinhas relacionadas a alfaces e divulgando que muitos produtos são feitos com ingredientes de origem bovina.
Até o momento essa modinha tem sido algo relativamente centralizado e pouco criativo, com uma variedade pequena de conteúdo alfacista reproduzindo-se e atraindo muitas visitas. No que se refere às imagens, dois memes têm sido viralmente reproduzidos: o pôster “Esta alface morreu só para que você pudesse ser vegetariano. Tenha compaixão, coma pedras” e o cartaz “Produtos à base de gado/Sua vida é uma ilusão, seu vegetariano chato!” (versão light da que chamava “vegan chato do car…”). Já os vídeos que encabeçam a mania são os clipes “Carnívoro Song” e o “Vegan, minha comida caga na sua”, ambos de um mesmo autor.
Essas “atrações”, embora transmitam pouco ou nenhum argumento (o único conteúdo que ainda dá para levar a sério é o “Produtos à base de gado”*), vêm sendo utilizados como se fossem livros sagrados para os mais reaças. Se o colega vegetariano do onívoro começa uma discussão sobre consumo de carne X ética, o creófilo mostra na lata o pôster “Produtos à base de gado” para convencer o vegetariano de sua “hipocrisia”. Ou então tira do bolso a piadinha de comer pedras para não matar alfaces, acreditando erroneamente que o vegetarianismo evita o consumo de qualquer ser vivo.
É previsível que esse movimento alfacista cresça, e muito, nos próximos meses ou anos, mas felizmente esse não é um motivo de desânimo ou uma evidência de retrocesso da conscientização semeada pelos defensores dos Direitos Animais. Pelo contrário, é um ótimo sinal. Indica que o vegetarianismo e o veganismo estão crescendo muito e praticamente já não podem mais ser ignorados pelos onívoros, nem estão mais relegados à marginalidade e pouca significância numérica em que estavam no passado.
Não comer animais e suas secreções é um assunto que chama cada vez mais a atenção da mídia, seja tratado com aparente imparcialidade, seja difamado por manipulação. O vegetarianismo e o veganismo entram em pauta em quase todos os fóruns de discussão e em muitas rodas de conversa. E a tendência é propagar-se mais e mais pela sociedade.
Assim sendo, os que rejeitam visceralmente a ideia de parar de comer carne e desfrutar do paladar dessa mescla de músculo, gordura e tempero já não podem mais fingir que nós vegs não existimos. Como não podem mais nos ignorar, lançam-se no reacionarismo, única opção que lhes resta para recusarem o vegetarianismo, tratando este com rejeição raivosa.
Isso já era esperado, uma vez que os Direitos Animais confrontam os interesses e prazeres de muita gente e desafia as crenças e tradições hegemônicas. Assim como os homofóbicos contra a ascensão do movimento LGBT, os misógino-machistas contra o progresso e aprofundamento do feminismo e o os cristãos intolerantes contra o crescimento do ateísmo e do movimento neoateísta, os alfacistas apareceriam e cresceriam em notoriedade de qualquer jeito.
E o melhor de tudo é que, por mais que atrapalhem e tentem impedir os progressistas de promover os avanços nos direitos dos historicamente dominados, os conservadores não conseguem deter por muito tempo as mudanças que orientam as sociedades no rumo à igualdade. Não é nada diferente disso a onda alfacista, a qual, mesmo que se torne séria num futuro próximo, não consegue sequer equilibrar razão e emoção ou produzir argumentos desprovidos de apelos ad hominem, falácias ou incorreções científicas.
Ao invés de nos desanimar, a crescente mania do alfacismo deve nos dar forças, por ser um indicativo de que nossa luta pelos direitos dos animais não humanos está obtendo progressos exponenciais e é superior ao nervosismo alfacista, e também por nos fazer corrigir ou descartar argumentos falhos. Se dogmatismo –- vide o uso de poucas imagens como “verdades inquestionáveis” -–, ofensas anti-intelectuais ou travestidas de cientificidade e falácias são tudo o que o reacionarismo antivegetariano tem para oferecer, é muito difícil que vá ao menos arranhar a luta pelo respeito aos animais.